Correr por uma boa causa…
Na vida militar depois de um início bem difícil na
E.P.C., de Santarém, onde fiz a recruta no Verão de 1962, fui “cair" no Hospital
Militar de Lisboa.
Levei o meu 2º. Ciclo do “meu” C.S.M. a sério e
passados uns meses eis-me Chefe da Enfermaria de Dermato-Sifiligrafia.
Um cargo
ao tempo com alguma importância para um cabo-miliciano, remunerado com 90 escudos por mês!
Um dia fui procurado ao fim da tarde por um
Soldado-Miliciano que, com acentuada pronúncia madeirense, me pediu uma
conversa a sós.
Tinha um problema complicado e pedia a minha ajuda para
nessa noite correr uma hora e meia no corredor que ficava entre a enfermaria e
o meu gabinete.
Os “porquês” deste pedido insólito tinham a ver com uma ida à
Junta Médica no dia seguinte.
E explicou-me a necessidade da corrida nocturna.
Durante a recruta quando fazia “trabalhos de estrada”
horas depois começava a urinar “sangue”.
Como já estava há mais de um mês
internado (e sem fazer os esforços normais de uma recruta) já não tinha os
sintomas que o tinham levado ao internamento no HMP (um cálculo renal). Convém
esclarecer que nesta Enfermaria de “Siflis” –como era conhecida na gíria
hospitalar - “residiam” doentes de outras especialidades (no caso de falta de
camas em Medicina ou Cirurgia).
Voltando ao jovem madeirense… precisava portanto de uma
corrida nocturna para "mijar sangue" no dia seguinte.
Confesso que hesitei um pouco por o Director do HMP da
altura (Dr. Ricardo Horta Junior) ser tudo menos compreensivo. E quem fosse
apanhado a “mijar fora do penico” comia pela medida grande...
Mas o nosso soldado-recruta estava tão aflito que… eu
alinhei.
Voltei ao Hospital após o jantar (estava
“desarranchado” ) e, depois de informar
o “vela”(que era da Nazaré) que ia haver uma actividade física do “cama 30”,
consegui reunir condições para o rapaz do “cálculo” começar a correr.
Parece-me
que ainda hoje ouço a sua respiração ofegante e vejo o seu olhar angustiado…
Foram voltas e mais voltas no corredor até o jovem
“sentir” que tinha conseguido atingir um
“cálculo” semelhante aos esforços que era obrigado a fazer na sua recruta .
No dia seguinte, à tarde, arranjei maneira de estar no
corredor das Juntas Médicas.
Quando o "recruta" madeirense me viu e correu para mim
para me dar um abraço percebi que tudo tinha corrido bem.
Meses depois visitou-me em Alcobaça e foi coberto de
“mimos” da minha mãe.
Boas comidas e dormidas… sem necessidade de corridas
prévias …
Escreve-mo-nos alguns tempos mas depois…o tempo afastou-nos.
Mas quase meio século depois sabe-me muito bem recordar esta estória pouco
vulgar. Por vezes na vida há que arriscar um pouco por causas justas.
E este jovem
madeirense mereceu bem a corrida “fora de horas” que lhe consegui arranjar no
HMP.
Foi o que se chama “correr por uma boa causa” !!!
JERO
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