segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

M 337 - ÁGUA UM PATRIMÓNIO INESTIMÁVEL

Património da Água na Serra dos Candeeiros



As características cársicas do Maciço Calcário em que a Serra dos Candeeiros se inclui, fazem com que a água se escoe pelas inúmeras “arregoas”, “sumidouros” (fendas) e algares. A ausência de águas de nascente e a natureza pobre da terra, salpicada por afloramentos calcários, condicionou a actividade agrícola e inibiu a vida material destas populações. A adaptação a este espaço físico urdiu um mapa cultural que diferencia os povoados serranos dos seus vizinhos, em que a terra é mais generosa e a água brota copiosamente.
A colonização da área serrana confrontou o homem com a necessidade de constituir reservas de água indispensáveis à sobrevivência quotidiana. A cooperação dos vizinhos na construção de cisternas e poços constitui uma realidade que vem da formação dos povoados e que entra nas primeiras décadas do século XX. No entanto, com o advento do século XIX, as cisternas e os poços começam a ganhar foro privado implantando-se de portas meias com as “casas” das famílias mais desafogadas.
Os poços, sem nascente, teciam as suas paredes de pedra “insonsa” (sem argamassa). Por este motivo são conhecidos por “poços rotos”, facilitando a textura das suas paredes a recepção das águas que penetram o solo nas suas imediações. Alguns poços são rodeados por uma vala servida por regueiras, o que facilita uma maior captura e infiltração das águas pluviais (veja-se o poço laranja da Ataíja de Baixo).
As cisternas diferenciam-se dos poços pelo sistema de cobertura e isolamento do depósito. A cisterna de “eira de poço” constitui um processo singular e engenhoso de aprovisionamento de água. O reservatório da cisterna nasce de uma concavidade natural da massa calcária cujas fendas são vedadas com barro. A superfície atapetada do lajedo propícia o declive que conduz as águas à boca da cisterna (insere-se nesta tipologia a cisterna cisterciense da Quinta de Val Ventos – Pia da Serra). Em alguns casos, as eiras de cereais potenciam a área de captação das águas das “eiras de poço”. Tanto as cisternas como os poços beneficiam da recepção das águas dos telhados das “casas” circunvizinhas (habitação e cómodos). Caleiras de pedra, de telha de canudo, de madeira aparelhada ou de folha, conduzem a água para o tanque da cisterna .
A água das cisternas e poços destinava-se, essencialmente, ao consumo do agregado familiar. Contudo, vemos algumas cisternas e poços nas fazendas (choisas) ao serviço das minúsculas manchas de regadio, na rega do milho quando o tempo não se mostrava azado e nos cercados em que se abriga o gado com a finalidade de o dessedentar, assim como nas imediações dos lagares de varas, quando estes estão distantes das lagoas e barreiros, para o caldeamento da massa da azeitona.
A profusão de contratos orais de fornecimento de água e a inclusão do acesso por parte da parentela ao velho poço ou cisterna familiar nos testamentos, constituem outros indicadores do valor crucial da água para estas comunidades.
Esta realidade vai se transformar com a difusão dos furos na década de oitenta e, finalmente, com o acesso à rede de água canalizada nos anos noventa.
Hoje temos a plena consciência que a água potável é um bem escasso e um dos problemas mais sérios que se colocam à manutenção dos hábitos civilizacionais alcançados no século XX. O património da água merece ser preservado e inserido em rotas turísticas (à semelhança do que podia ser lançado para o azeite com as visitas aos antigos lagares dos coutos, olivais monásticos; aos fornos de cal, entre tantos outros exemplos...).


António Valério Maduro


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