domingo, 19 de setembro de 2010

M 298 - O POVO QUE ACLAMA É O POVO QUE REPUDIA...

D.MIGUEL EM ALCOBAÇA


Alguns portugueses, talvez a maioria, adoram as figuras messiânicas ou mais prosaicamente preferem quem os conduza ou quem por eles decida.
Vamos com mais de oito séculos de história e muitos nos consideram fracos e sem alegria.
Tudo o que fazemos de bom, e é muito, é quase ignorado pela maioria. Vivemos sobre uma linha ténue entre o orgulho de ser e a recriminação vulgar.
A propaganda faz de nós o que quer sem interrupções.
“(…) Aclamado em todo o lado por imenso povo que chegou a romper as grades da da Igreja do Mosteiro de Alcobaça”.É com estas palavras que a Gazeta de Lisboa de 28 de Agosto de 1830 relata a visita a Alcobaça do Rei D.Miguel no dia 8 de Agosto desse ano.
O Rei desmontou do seu cavalo em frente à escadaria do patim e subiu os degraus com estudada lentidão sob um palio para receber os cumprimentos das autoridades civis e monásticas.
À direita da entrada Alcaide, Juiz, Oficiais de Polícia; forças vivas à esquerda a congregação tendo à sua frente o Abade, miguelista convicto.
O povo de Alcobaça e dos Coutos descontrola-se sob a escadaria e envolve o Soberano. Procura trocá-lo , olhá-lo nos olhos.
Os mais grados, após o Te Deum, virão beijar-lhe a mão numa sala preparada na hospedaria da Ala Norte.
D.Miguel ,como refere Armando Malheiro da Silva, deslocava-se pelo Reino com “aparato festivo”. Em Alcobaça pintou-se o casario da vila, limparam-se as ruas, ergueram-se no Rossio arcos festivos.
Distribuiu o Rei esmolas, determinou a libertação de presos. A imagem messiânica do Rei Absoluto esculpia-se nestas decisões, sendo o beija-mão um quadro importante do cultivo da imagem do Rei, que terminara com o devaneio constitucional.
Visitar Alcobaça se por um lado sublinha a religiosidade do Soberano significa também o alinhamento com a herança de D.Afonso Henriques.
D.Miguel é um Rei que governa. Dissolveu as Cortes apresentando-se perante os Deputados com os atributos simbólicos do Absolutismo: a coroa, o ceptro e o manto. A imprensa está ao seu serviço e o Rei circula mostrando-se ao povo num momento em que a guerra civil iria estalar no Porto.
Os rituais perante o desastre iminente davam legitimidade ao Soberano, uniam o Rei ao povo.
O Rei visitara o novo edifício da Biblioteca no seu esplendor. A grande sala com galeria sob um tecto decorado a estuque, com pinturas ingénuas orientalizantes nos vãos das janelas, debruçadas sobre o Jardim do Obelisco. O Cartório, sob a grande sala merece ,também a visita do Rei.
Para o Cenóbio a visita do Rei Miguel significava o regresso do Antigo Regime, o afastamento das doença liberal, a recuperação da ordem hierárquica.
Quando o Rei sabe que algum povo de Aljubarrota derrubara o Arco da Memória em conflito com o Mosteiro, após a revolução de 1820,manda reerguê-lo assinalando o gesto com lápide apropriada.
O povo que aclama é o povo que repudia. Aplaudiram o liberalismo. Aplaudem agora o Absolutismo.
Em grupo o povo derrubou o Arco. Em grupo o povo aclama a reconstrução.
Três anos depois a Congregação abandona o Mosteiro antes da extinção das Ordens. A Coroa procurará evitar o pior do abandono.
Valendo-se da cláusula da Carta de Doação de Afonso Henriques à Ordem de Cister, que impunha a restituição da Doação ao Rei em caso de abandono ,o Governo Constitucional do Reino chamou a si o grande Mosteiro, procurando evitar vandalismos de monta.

Rui Rasquilho

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