segunda-feira, 9 de novembro de 2009

M102-POESIA DE VEZ EM QUANDO





JANELAS DE LISBOA
Tenho quarenta janelas nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas

o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,

por outra a luz das estrelas

que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,

por aquela a luz dos homens,

pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,

pela menor a certeza,
pela da frente a beleza

que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,

quatro arestas,
quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,

que as vigias são redondas,

e o sonho afaga e embala

à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,

por aquela entra a saudade,

e o desejo, e a humildade,

e o silêncio, e a surpresa,

e o amor dos homens,
e o tédio,e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio

a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,

e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,

e o grande pássaro branco,

e o grande pássaro negro

que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,

todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,

tudo alonga a sua sombra

nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto,

quem vos pudesse rasgar !

Com tanta janela aberta

Falta-me a luz e o ar.

Poema:António Gedeão

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